domingo, 11 de dezembro de 2016

A crise das referências

É difícil medir o quão importante é para nós ter referências. Pessoas que nos desafiam a ser melhores. Para quem olhamos e pensamos: “um dia quero ser assim”.

As referências são importantes porque nos ajudam a encontrar o propósito da nossa vida. Orientam-nos. À pergunta “o que devo fazer para ser feliz?” as referências servem de guia. Mostram-nos o caminho.

Uma pessoa que vive constantemente triste e deprimida dificilmente será uma referência para alguém. Poderá sê-lo profissional ou academicamente, mas nunca numa dimensão mais ampla. Pessoas bem-sucedidas, que irradiam alegria, mais facilmente servem de modelo para outros.

Podemos encontrar referências em vários locais. Na nossa vida concreta (máxime, na família) num livro, numa história, na televisão. O Cristiano Ronaldo pode ser uma referência para muitos jovens que nascem em bairros mais problemáticos e em famílias mais pobres e que aspiram a ter uma vida melhor.

Não ter referências ou ter referências erradas é perigoso.

Não ter para quem olhar e pensar “eu quero ser assim” deixa-nos à deriva, sem norte. Faz de nós pessoas resignadas, abandonadas à nossa sorte e com poucas convicções sobre o que queremos.

Ter referências erradas é igualmente perigoso. Uma referência pode ser errada quando não olhamos para a sua vida como um todo, mas apenas parcialmente. Alguém muito bem-sucedido profissionalmente pode não ser uma boa referência porque, por detrás do seu sucesso profissional, do seu estatuto e da sua riqueza, pode estar um pai que nunca se preocupou com os filhos, um marido que deixou de cuidar da mulher, um homem sem qualquer actividade para além do trabalho. Alguém muito bem-sucedido profissionalmente pode ser alguém profundamente infeliz.

Daí a importância de definirmos bem o critério à luz do qual buscamos as nossas referências. A actual crise das referências nasce não só do facto de essas referências (as verdadeiras referências) estarem em extinção, mas também do facto de as estarmos a procurar a partir de critérios errados. O primeiro facto deriva do segundo. Isto explica grande parte da nossa desorientação e, em última instância, da infelicidade crescente que assalta as novas gerações (nos EUA as taxas de depressão actualmente são dez vezes mais elevadas que nos anos 60). 

A minha geração corre o risco de ser profundamente infeliz porque não tem referências ou porque se guia pelas referências erradas. Neste último caso porque adopta, a priori, o critério errado de julgamento. Medimos o sucesso de alguém em função do que é mais visível e não do que é mais importante. Como explica o professor de Harvard Clayton M. Christensen, em How will you measure your life?, a carreira e a riqueza são critérios mais visíveis e palpáveis do que a realização pessoal. Nas conversas entre amigos, ambicionamos ser como o CEO desta ou daquela empresa, sem nos preocuparmos se ele é ou não feliz. Queremos alcançar o sucesso, o estatuto ou a riqueza de alguém; não a sua felicidade.

É uma pena que assim seja. É possível que, quem não tenha referências (ou verdadeiras referências), não compreenda o alcance destas palavras. É-nos difícil compreender inteiramente o que nunca nos foi dado a conhecer. Eu, um sortudo, sei bem o importante que foi, ao longo do meu processo de crescimento e amadurecimento (que hoje prossegue), ter o privilégio de me cruzar com verdadeiras referências. Pessoas que, não sendo perfeitas, me mostraram, pelo seu exemplo de vida, o que é a felicidade, a harmonia, a plenitude. Que me deram a conhecer a importância de cultivarmos relações fortes e duradouras (de que um casamento bem vivido é o exemplo máximo) e de sabermos reconhecer e agradecer, no nosso dia-a-dia, as tantas coisas boas que temos e recebemos. Que me ensinaram a adoptar uma postura de gratidão permanente pelas pequenas coisas presentes, ao invés de uma de expectativa interminável pelas grandes coisas futuras (sempre tão incertas).

Tenho muita pena que nem a todos seja dada esta oportunidade. Descanso na esperança de, um dia, poder vir a retribuir este privilégio através do meu próprio exemplo. "A quem muito foi dado, muito será exigido."

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