domingo, 23 de novembro de 2014

Salário Mínimo

Artigo publicado originalmente no jornal A Batalha.

A discussão em torno do aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) remete-nos sempre para uma outra discussão: o fundamento da sua existência. E quando enveredamos por este caminho, há dois dados que não podemos olvidar.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer, sem qualquer tipo de complexos, que o decretamento de um SMN acarreta efeitos economicamente nocivos, nomeadamente em termos de desemprego. Associar ao factor trabalho um valor mínimo obrigatório restringe, em grande medida, a liberdade contratual das empresas e dos trabalhadores. As empresas deixam de poder contratar abaixo desse limiar; os trabalhadores deixam de poder prestar o trabalho em condições nas quais até poderiam estar dispostos a fazê-lo. O desemprego aumenta e os mais afectados são, evidentemente, os menos qualificados. Neste sentido, o SMN pode-se tornar verdadeiramente num pau de dois bicos.

Em segundo lugar, é igualmente imperioso tecer um juízo antropológico: para aqueles que, como eu, têm uma visão pessimista da natureza humana, torna-se fácil de ver a que tipo de situações pode conduzir a arbitrariedade laboral. E, neste campo, perdoem-me a honestidade: mais assustador do que a ignorância daqueles que ignoram os efeitos economicamente perniciosos do decretamento de um SMN é a ingenuidade daqueles que crêem na sua dispensabilidade e que, consequentemente, apenas conseguem vislumbrar um mundo cor-de-rosa de liberdades e negociações justas. As notícias de exploração do trabalho em certos países do Oriente, somadas às atrocidades cometidas na nossa Europa setecentista e oitocentista, já nos deveriam ter prevenido de certos males. Ainda há meses uma televisão alemã denunciava a situação precária e desumana em que viviam inúmeros trabalhadores de certas empresas germânicas. Na esteira dessa reportagem, a euronews também noticiou que se tornou recorrente, em certos sectores desse país (tido por muitos como o modelo económico europeu), pagarem-se salários entre os 300 e os 500 euros por mês. Compare-se o custo de vida alemão com o nosso e imagine-se a esmola em que isso se traduziria por cá...

Se é verdade que a abolição do SMN pode conduzir ao alargamento da esfera de liberdade, também o é que ele pode conduzir às mais perversas formas de abuso: a diversidade de ideias numa sociedade livre (de que tanto se orgulham os liberais) não se dirige apenas aos bons propósitos. Por isso, não creio que seja intelectualmente honesto afirmar-se que o decretamento do SMN se limita a melhorar ligeiramente a qualidade de vida de muitos (os que continuam empregados) e a deteriorar bastante a de outros (os novos desempregados). Se assim é, também é necessário reconhecer que a existência de um SMN impede que a tão propalada liberdade degenere, em muitos casos, em escravidão. Não numa escravidão baseada na cor ou na raça, como aquela que este triste mundo já testemunhou, mas numa escravidão baseada no desespero de alguns, oportunamente aproveitado e explorado pelos patrões mais inescrupulosos e ávidos por lucros.

A liberdade precisa do Estado. Mas não de um Estado totalitário ou abstencionista. Na verdade, do mesmo modo que atenta contra a liberdade humana um Estado excessivamente intervencionista que reduza significativamente o papel do indivíduo e dos corpos intermédios, também o faz um Estado que se exima de intervir, na qualidade de regulador, no âmbito das relações sociais e económicas, deixando os indivíduos, em posições de desigualdade, entregues à sua sorte. Não faltará por aí quem afirme que esta é uma posição muy pouco liberal: mas acreditem que o é para aqueles que, como eu, apenas conseguem conceber a liberdade contratual num contexto minimamente equilibrado entre as partes.

O decretamento de um SMN tem efeitos negativos no desemprego, sem dúvida. E quanto mais alto ele for, mais desempregados teremos, sendo que os primeiros a serem afectados serão precisamente aqueles que ele visava proteger: os menos qualificados. Contudo, estou em crer que seria um erro aboli-lo. Seria não levar em conta o segundo factor que referi. O SMN deve existir mas deve ser o mais baixo possível (i.e., deve ser o estritamente necessário para fazer face às despesas essenciais) e ter em linha de conta os números do desemprego. É por tudo isto que continuo com sérias dúvidas de que este seja o momento oportuno para discutirmos o seu aumento. 15,3% de desemprego ainda é muito…

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